A origem do lamaçal

No artigo Lula lá e cá, publicado no dia 10/4 na Folha de São Paulo, parece que o jornalista Mario Sergio Conti faz um elogio à Lula. Ele faz, na verdade. Faz alguns elogios. Mas as entrelinhas mostram que não é o que ele quer dizer.
O Lula aparece mais como uma solução eficiente para o problema Bolsonaro do que como um representante de um projeto político interessante para o país.
A grande contradição do seu argumento está na ideia de que o governo Lula gerou a crise econômica e o movimento sindical hoje não faz nada para superá-la. Quando, na verdade, a crise denominada Bolsonaro, foi gestada pelo establishment, com grande participação da mídia, através da qual ele expõe suas ideias.
Analisando as ideias de Conti constatamos que elas estão fora do lugar.
Ele diz que: “Do outro lado da contradição dialética, há a inação de sindicatos, partidos e organizações da sociedade civil. A paralisia de trabalhadores, funcionários e estudantes, nas periferias e campos, é perpetuada pelo medo da peste. Não há greves, protestos, saques. Até as panelas andam quietas”.
Em primeiro lugar, Conti deveria compreender que, por estarmos em uma situação de grande risco de contágio por um vírus novo e contra o qual temos poucas armas, as aglomerações são desincentivadas pelos órgãos de saúde. Mais do que isso, são proibidas. Será que precisamos falar isso? Desde o início desta praga, nós sindicalistas temos evitado organizar manifestações presenciais e temos usado a criatividade, traço marcante do povo brasileiro, para manter nossas ações em dia. Se ele, como bom jornalista que é, acompanhasse os trabalhadores mais de perto, saberia disso. Para ficar em poucos exemplos, saberia do papel fundamental das centrais sindicais na determinação do valor de 600 reais para o auxílio emergencial. E saberia do nosso esforço de convergência, que muitas vezes desempenha um papel mediador e aglutinador na política partidária, entre aqueles que buscam um projeto nacional de desenvolvimento, algo tão difícil, mas tão necessário. São só alguns exemplos.
Mas é vício das elites econômica, intelectual, cultural, empresarial, etc, considerar que o sindicalismo consiste em um movimento meramente romântico e voluntarista. Que se o sindicalista não está com a massa na rua ou se não está tendo greve, o sindicalismo não existe. Ora, é preciso avançar nesta visão e entender que, estar na rua protestando e organizar greves é vital sim. É parte importante do movimento. Mas são ações que acontecem quando todo o processo de negociação, diálogo, quando nossos projetos chegam a um impasse cuja única saída é mostrar nossa força. Por trás de greves e manifestações existe toda uma estrutura de negociação e reivindicações em favor dos trabalhadores. Convido Conti a conhecer melhor nossa história e nossa organização.
Além disso, e pior, é preciso levar em consideração que nos últimos anos o movimento social, em especial o sindicalismo, e o governo de centro-esquerda do PT, foram duramente atacados. E isso, como a história mostra, é o que acontece quando um projeto progressista avança na política. Foi assim em 1964, com Jango deposto e os sindicatos como os primeiros alvos da ditadura. Desde 2016 nossa democracia está sob ataque. A narrativa criada pela Lava Jato, e impulsionada pela mídia, forjou na mentalidade social uma aversão a qualquer movimento organizado e tradicional. Uma aversão a política que pavimentou o advento de fenômenos como Jair Messias Bolsonaro.
Mais do que isso. Não fomos atacados apenas pela indução a uma mentalidade avessa aos movimentos populares. Fomos atacados de forma muito concreta e direta através da reforma trabalhista de Rogério Marinho e Michel Temer. Tal qual a ditadura, que em seus primeiros dias interviu nos sindicatos, o ex-vice decorativo de Dilma, logo que usurpou o poder, tratou de aniquilar o sindicalismo e calar os trabalhadores. Foi o que ele tentou fazer, mas resistimos bravamente.
E eis aqui o gancho para outra ideia irreal defendida por Conti: as reformas de Temer. Já no fim do artigo ele diz que “Lula vem pregando a volta a um passado mítico, no qual todos se deram bem. É uma ilusão, ainda que com um grão de verdade. O Brasil era melhor; mas é inviável a repetição daqueles tempos —que aliás geraram o lamaçal de hoje”.
O que ele quer dizer com “aqueles tempos geraram o lamaçal de hoje”? Que a crise foi gerada nos governos Lula e Dilma? Esta também é uma ideia muito difundida entre a elite para desmoralizar a composição de centro esquerda em torno do PT entre 2002 e 2016. A ideia de que o crescimento daquele tempo foi uma ilusão pela qual pagamos um preço alto.
Está embutida nesta ideia a defesa da inevitabilidade do impeachment, do governo Temer e da execução das suas reformas antissociais como remédios amargos para a gastança do PT em projetos sociais.
Em nossa visão, embora reconheçamos que, sobretudo durante o segundo governo Dilma, tenham ocorrido graves e grosseiros erros na economia, o impeachment e tudo que veio em sua esteira foi uma reação da direita ao avanço de políticas sociais, de inclusão e combate à desigualdade, e não uma resposta aos erros no orçamento público. Isso ficou muito claro com o imediato crescimento do desemprego e aumento da miséria após a reforma trabalhista e Pec do teto de gastos. Ficou ainda mais escancarado após março de 2020, com a inusitada pandemia do coronavírus, que iluminou todas as mazelas e abismos que rasgam nossa sociedade. Ficou claro que os remédios amargos de Temer não trouxeram nada de bom para o povo brasileiro. Pelo contrário, trouxeram fome, insegurança, violência, morte e atraso. Essa é a origem do lamaçal.
As ideias fora do lugar e sem base do artigo de Mario Sergio Conti, parecem, na verdade, um desespero para resolver o problema Bolsonaro. Desespero justificado pelo desastre evidente. Mas não é assim, maquiando os erros de uns e inflando os de outros, simulando uma realidade, que é falsa, que se chega a uma boa solução.
João Carlos Juruna Goncalves, 68, secretário geral da Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, foi membro da Juventude Operária Católica (JOC) no período  de 1970 a 1979

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