Pais surdos criam diário com dicas de inclusão de filha também surda
Fonte: Folha de S. Paulo
Objetivo é mostrar como família lida com o tema e tem uma vida normal Parte desses profissionais entra na modalidade para postos com menos qualificação
Quando a psicóloga Francielle Cantarelli Martins, 30, senta para conversar com a filha Fiorella, hoje com três anos, sobre a escolinha, as professoras e amigos e pergunta “quem sou eu?”, a menina dá duas batidinhas de leve no nariz para dizer “mamãe”.
Em seguida, com um gesto com o dedo indicador e o médio, em forma de curva, ela sinaliza o próprio nome. O vídeo de pouco mais de um minuto, com uma conversa de um dia qualquer na rotina das duas, postado há dois anos, chegou a 814 mil visualizações no Facebook.
É o vídeo mais visto do “O diário de Fiorella”, a página que Francielli e o marido Fabiano Souto Rosa, 30, ambos também surdos como a filha, criaram para mostrar o desenvolvimento da garota, diagnosticada com surdez profunda aos quatro meses.
O resultado veio após quatro testes. Os pais dizem que sentiram que receberam ali “uma missão”.
“Quando decidimos criar uma página, começamos a procurar os artigos e textos sobre crianças surdas e pais surdos, não encontramos muitas informações”, diz a mãe.
No Brasil, segundo ela, não é comum ter filhos surdos de pais surdos. “Acho que só tem 5% de casos como nós. Então, percebemos que era necessário trocar as ideias”.
A página tem hoje 107 mil seguidores e vídeos que variam de 13 mil a 200 mil visualizações. Além de mostrar a rotina de Fiorella, a família, que vive em Pelotas, cidade a 260 km de Porto Alegre, fala sobre a educação de uma criança surda e como a vida de uma família que não pode ouvir consegue ser completamente normal.
Nos vídeos, todos em sinais (a segunda língua oficial do Brasil) e legendas, a menina e os pais conversam sobre alfabeto de sinais, as aranhas que viram na casa da avó e que assustaram a pequena, comidas das quais ela gosta, viagens e historinhas preferidas.
Os locais escolhidos para os vídeos são da rotina da família. Em um deles, em uma lanchonete, a mãe mostra objetos como as bisnagas de catchup e mostarda para perguntar, em sinais, para Fiorella as cores ao redor dela.
Em outro, a família está na praia, e a legenda do vídeo para quem não entende Libras permite entender que exprimem à pequena as palavras do cenário: “Fiore [apelido dela] e a praia”. “Aqui é a água, vem!”
Alguns vídeos viralizaram a ponto de serem traduzidos por páginas em inglês e em espanhol, o que causou uma surpresa na família.
Quando criança, os pais tiveram dificuldade na escola para acompanhar conteúdos, dependiam de ajuda de colegas e da família em casa e começaram a aprender Libras tarde. Francielli frequentou pela primeira vez uma escola com intérpretes aos 14 anos.
A falta de informações sobre educação de pessoas surdas —que no Brasil chegam a cerca de 10 milhões, segundo o Censo do IBGE de 2010— também dificulta criar oportunidades para elas.
Fiorella tinha cinco meses quando olhava para o teto quando os pais perguntavam “onde está a luz?”. Aos sete, fez sozinha o sinal de “papinha”.
A escola que a menina frequenta contratou uma professora bilíngue, uma assistente surda e, todas as terças-feiras, alunos e professores participam de aulas para aprender sinais.
“Sempre esperamos que ela se desenvolva como os colegas dela, como nós não conseguimos”, diz a mãe. “Fiorella usa Libras desde cedo. Não queremos que ela perca oportunidades como nós perdemos”.